19/12/2021 - Já na fase final do diário das Panças, apontando para o fim da escrita da dissertação, encontrei um casulo de mariposa. Como se apontasse para os desdobramentos da minha pesquisa futura, o casulo era a iminência de um novo formato para um mesmo ser. No constante acostumar-se com o tempo dos outros seres, observei o casulo por 8 dias, sem saber quanto tempo demoraria a metamorfose. Fiz um berço de argila para que seu corpo pudesse se movimentar sem cair.

Não registrei a destruição do casulo - me pareceu íntimo demais, bonito demais. A mariposa saiu de dentro da cápsula e ficou horas agarrada à caixa de madeira que servia de suporte à sua transformação. Enquanto de desfazia da capa e ganhava o mundo com a nova forma corporal, deixou algumas manchas amarelas e pretas pela caminho. Também deixou de presente para mim uma mancha escura na cama de argila que eu fiz para ela. Vestígios únicos de uma metamorfose incapturável: uma mancha que não era nem lagarta e nem mariposa mas que, ao mesmo tempo, guardava em si esses dois nomes. Um índice da imprecisão, um modo de não-ser e também o não-absoluto. Uma oportunidade latente para a próxima fase. Em algumas horas suas asas cresceram e saiu voando.

OUTRAS DIGESTÕES
DIÁRIOS 2021
"Primeiro, a lagarta se “digere”, libertando enzimas para dissolver todos os seus tecidos. Se você abrisse um casulo ou uma crisálida no momento certo, uma “sopa” de lagarta escorreria para fora. Mas o conteúdo da pupa não é inteiramente uma massa amorfa. Certos grupos de células altamente organizadas, conhecidas como discos imaginais, sobrevivem ao processo digestivo. Antes de eclodir, quando uma lagarta ainda está se desenvolvendo dentro de seu ovo, ela desenvolve um disco imaginal para cada uma das partes do corpo adulto de que necessitará como borboleta ou mariposa madura: para seus olhos, asas, pernas e assim por diante. Em algumas espécies esses discos imaginais permanecem dormentes durante toda a vida da lagarta; em outras, os discos começam a tomar a forma de partes do corpo adulto antes mesmo que a lagarta forme uma crisálida ou um casulo. Algumas lagartas se locomovem por aí com diminutas asas rudimentares enfiadas em seus corpos. Mas isso é algo que você nunca saberia só olhando para elas."

- A transformação da lagarta em borboleta implica autofagia, por Ferris Jabr
https://sciam.com.br/a-transformacao-da-lagarta-em-borboleta-implica-autofagia/
A metamorfose da lagarta em borboletadesafia a nossa espécie. Tendemos a ver a metamorfose como um ponto de virada na vida da lagarta; momento único e paradigmático em que ela abandona uma forma corporal, um jeito de se locomover e um hábito alimentar,
A lagarta passa do meio terrestre e ganha os ares.
Nova velocidade, outra noção espacial, diferentes alturas.
Mas, o que e uma borboleta senão uma lagarta?
Uma mosca senão uma larva?
Uma mulher senão um óvulo?
A metamorfose da lagarta é apenas uma metáfora eleita pela biologia. O cadáver se metamorfoseia em fungo. A comida se metamorfoseia em merda. O pelo se metamorfoseia em poeira. Eu me metamorfoseio em você.
"Cheguei ao amorfo" foram as palavras mais consagradas de Tostes. Ela vira câncer, o externo de si mesma.
A metamorfose da vida guardada na latência genética da célula corajosa.
A metamorfose é um tipo de digestão. A lagarta usa o suco gástrico do interior do seu estômago para digerir-se por completo. De seu corpo líquido, ela se alimentará para criar as estruturas da nova forma. Jabr continua: "O disco imaginal para a asa de uma mosca-das-frutas, por exemplo, pode começar com apenas 50 células e saltar para mais de 50 mil células até o fim da metamorfose."

Rememorando o ano de 2019 percebo que convivi com dezenas de metamorfoses sem me dar conta. Uma das Panças que produzi em 03/08/2019 tornou-se em 10 dias um ninho de larvas de moscas-da-fruta. No registro em vídeo da época, é possível ver os três estágios da metamorfose que aconteceram dentro da Pança: na segunda foto há um agrupamento de larva, pupa e mosca.

PRIMEIRAS PANÇAS
TEXTOS
METAMORFOSE
MAPA